quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Desejo Escondido - Capítulo 02




Arrumando minha mochila para voltar para casa, depois dessa manhã chata na faculdade, ouço a voz do Kauã e do Joseph. Os inseparáveis. Eles seguem pelo corredor conversando de um jeito eufórico. Param na porta e me veem atravessando a sala. Os dois falam ao mesmo tempo sobre a palestra que o fortão do Enrico deu para turma de educação física e blá blá blá. Os caras parecem que estão falando de alguém com superpoderes, pois estão sorrindo enquanto tagarelam. Só vi essa euforia, quando fomos assistir Homem-Aranha 2 no cinema.
— A tal palestra foi boa, hein?! Vocês parecem até uma das garotinhas que pediram para tirar foto com o bonitão lá no pátio. Tô estranhando vocês! — falo saindo da sala e passando entre os dois.
Eles se entreolham e o Joseph diz:
— Caralho de mal humor é esse seu? — Vira de costas e anda até a escada.
— Tchau! Seu Zé ruela — diz Kauã seguindo o Joseph
Antes de desceram pela escada os dois se viram, me olham com desdém e mostram o dedo do meio para mim. Fecho os olhos e respiro fundo. Sei que hoje foi uma manhã do cão para mim, e esses caras são os únicos que me aguentam o dia todo, todos os dias. São meus melhores amigos e nunca fiquei eufórico com nada que eles tenham feito. Sou um egoísta, sei disso.
Decido seguir os dois.
— Porra, me espera — desço as escadas e subo o tom de voz.
— Vai se ferrar! Você passou a manhã inteira com essa cara de cu, e não somos obrigados a aguentar suas crises de filho da puta mimado — Joseph se vira para me encarar, mas sem parar de andar.
— Ah! Qual é? — tento aliviar para o meu lado. —Vamos sair hoje à noite?
— Não! — Os dois dizem de uma vez.
Chegamos ao estacionamento e eles entram no carro e somem do meu campo de visão.
Sentindo como se um trator tivesse passando por cima da minha barriga, ando até o meu carro e sigo direto para casa. Começa a chover forte e para tentar desviar de um cachorro que apareceu no meio da avenida, acabo passando por cima de algo que fura o pneu esquerdo da frente. Fico com tanta raiva que soco o volante e o air-bag destrava bem na minha fuça.
— Puta que pariu! — grito e abro a porta, saindo do carro.
Quando ponho o pé para fora, outro carro passa, e passa por cima de um poça e acabo levando um banho. Xingo todos os palavrões possíveis. O carro para a dois metros à frente de onde estou e começa dá ré ficando mais próximo. De tanta raiva que sinto, fecho com força a porta do meu carro e ainda bato no teto dele.
De dentro do outro carro, um Jaguar preto, sai nada mais nada menos que o tal do Enrico German. Ele caminha até onde estou e mais uma vez, não deixo de notar seu corpo que agora tem os músculos marcados pela roupa social molhada. Seu topete cai pela testa, e mesmo estando todo molhado no meio da estrada, debaixo de uma chuva do cacete, o cara é simpático. Qual a droga que ele usa?
— Cara! Teu pneu estragou feio — diz olhando para o pneu furado. — Posso te ajudar...
— Meu velho, não — estendo a mão em sinal de pare. — Eu sei trocar o pneu do meu carro. E não foi nada demais — olho para pneu. E está um estrago só — Merda!
Ando até a traseira do meu carro e pego o estepe. O Enrico não sai de junto e fica me olhando trocar o pneu. A chuva não dá trégua e ele parece não se importar, então digo:
— Cara, na boa. Valeu pela atenção, mas pode me deixar, eu sei me virar.
— Eu reconheço quando alguém não está num bom dia, e no seu caso, seu dia está sendo pior que o inferno.
Bufo soltando o macaco no chão.
— Não te interessa como foi o meu dia, seu almofadinha... — pego o macaco e começo a trocar o pneu.
— Quer saber, se vira sozinho seu garoto mimado. — Ele dá as costas e entra no seu carrão de luxo.
Não me causa inveja, também tenho um, mas só está com pneu furado. Só me faltava essa! O almofadinha pagando de altruísta.
O Jaguar vai embora com seu dono bonitão dentro e eu fico aqui debaixo de chuva forte trocando o pneu furado da minha BMW. Rezando para que ninguém conhecido me visse nesta situação trágica. Finalizo a troca do pneu. Guardo o pneu furado na traseira do carro, limpo as mãos na calça e dou partida. Sigo direto para casa. Só quero me livrar dessa roupa molhada.
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Acordo cedo, nem dormi direito. Depois de me arrumar desço para tomar café, meu pai já saiu para empresa dele. O doutor Armando Souza Leão é um dos maiores advogados do país e sócio na empresa de produtos alimentícios da família. Ele e meu tio são os donos.
Meu pai é um cara muito conservador, mas é hipócrita, pois ele já traiu minha mãe com outra, quer dizer com outras. Ele ainda frequenta de vez em quando um puteiro que fica nos limites da cidade, e até já me levou lá. Foi constrangedor para todos naquele dia, pois eu não consegui ficar excitado com a prostituta peituda que estava deita completamente nua na minha frente. Eu tinha dezesseis anos e seria minha primeira transa, mas não foi consumada. A prostituta, que era muito experiente, percebeu na hora que eu não curtia aquilo e me lembro até hoje suas palavras: “Não se preocupa, não vou contar para seu pai. Direi que você foi sensacional”. Ela recebeu uma boa grana para me encobrir. Quando me recordo, chego a ficar enjoado. Depois desse dia, decidi nunca mais falhar com outra mulher na cama, me enganei. Para transar com uma mulher, preciso estar bêbado ou ficar pensando no Zeb Atlas nu. Patético.
Minha mãe deixou um recado em cima da mesa que diz: “Sai cedo para visitar sua irmã. Te vejo no almoço”. Mais uma vez, tomo café sozinho. Que legal! Torço a boca depois de ler o bilhete e o amasso jogando de lado. A cozinheira me serve o café e pergunto para ela onde se meteu a Jacira, nossa outra empregada. Ela me diz que Jacira está de férias e volta em uma semana.
Meu celular toca. É o Luís.
— Fala mané! — atendo no viva voz.
— Mano, preciso te contar uma coisa.
— O que foi dessa vez? — falo depois de beber um pouco de café.
— Amanhã, na minha casa, uma orgia. Tipo sacanagem da boa, sabe?
Outra festinha do Luís. Rapidamente tiro do viva voz, pois não iria deixar a empregada da casa ouvir esse tipo de conversa.
— Vem cá, mano. E teu lance com a Suelen? Se ela descobrir isso, vai dar merda e das grandes, você sabe como ela é ciumenta...
— Não joga terra no meu plano, seu lesado. A Susu vai viajar com os pais e só volta daqui a três dias. A família dela quer vê-la e eu tô livre durante esse tempo.
Os pais do Luís e do Lucas moram em outra cidade e o casarão que eles têm aqui na cidade foi dado pelo pai deles para que o Luís pudesse viver quando se casar com a Suelen. Nessa casa moram os gêmeos e a Suelen. Contudo, quando a Suelen não está, eles fazem a festa, e são sempre festas regadas a muita bebida e sexo.
— Tá bom, eu topo, mas antes vou almoçar com minha mãe depois da aula e à noite passo ai para gente acertar tudo para amanhã.
— Beleza irmão! Te vejo as nove, pode ser?
— De boa! As nove eu chego aí.
Marcado o horário, termino meu café e sigo direto para a faculdade. Depois tem almoço com a mamãe e tenho o pressentimento que o assunto desse almoço será: “ E aí meu filho, quando vai me apresentar sua namorada oficial?” Preciso estar zen para não discutir com minha mãe.
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Depois que saio da faculdade, sigo para o restaurante onde minha mãe marcou o almoço. É um lugar conhecido da alta sociedade, requintado e cheio de frescura. Sinceramente, se fosse no bar do Zé da favela não faria diferença para mim, mas é minha mãe, então ele só escolhe esse tipo de lugar.
Minha mãe, Angelina, é uma mulher muito bonita e a admiro muito. Ela tem cabelo loiro igual a Amanda, minha irmã mais velha. Ela aguenta as traições do meu pai, segundo ela, pelo bem da família. Para ela, a “família” deve sempre permanecer unida apesar de tudo, passar por cima dos problemas, unida. Para minha mãe, podemos estar passando pelo maior problema, sempre tem que manter as aparências. Quem está de fora sempre nos verá inteiros, sem defeitos, como uma família perfeita. Eu nunca entendi o porquê dessa devoção toda a família se, às vezes, ficamos um para cada lado. Porém, sempre a ouço dizer: “Família é, acima de tudo, o alicerce maior na vida de um ser humano”. Dona Angelina tem em sua visão que a nossa família é perfeita, mas está longe de ser até uma família de verdade, quem dirá perfeita.
Olho por cima das várias cabeças dentro do restaurante e de longe, vejo minha mãe. Está em nosso lugar cativo nesse lugar. Aproximo-me, cumprimentando-a com um beijo na bochecha e ela me retribui com outro beijo. Sento-me a sua frente e pergunto:
— Já fez o pedido?
— Ainda não, meu querido — diz sorrindo.
Eu conheço bem minha mãe e sei que ela tem algo para falar que a está deixando impaciente. Todas as vezes que ela precisa conversar sobre algo sério, sempre marca um almoço fora de casa, mais precisamente neste restaurante que fica numa parte nobre da cidade.
— Que tal um salmão com molho de ervas finas — digo piscando para ela. — Sei que a senhora gosta — sorrio de lado.
Nem sempre eu sou um rinoceronte com os outros, sei ser legal e amigável, e com a minha mãe é mais tranquilo de conversar.
— Ótima pedida. — Ela chama o garçom.
O cara usando gravatinha borboleta preta, anota nosso pedido e se retira. Eu respiro fundo e vou direto ao ponto, não suporto rodeios.
— O que está acontecendo, dona Angelina? — digo segurando sua mão sobre a mesa.
Ela sorri sem mostrar os dentes, está triste, e abaixa o olhar. Neste momento sinto que tem algo muito sério acontecendo.
— Mãe. Diz o que foi.
— Seu pai — fala com a voz embargada. — Ele me traiu de novo, e desta vez foi com a moça do golfe lá do clube, a cuida dos carrinhos — Ela põe a mão na boca para abafar o choro.
Sinto tanta raiva de mim, por se impotente, e do meu pai que tenho vontade de arrancar todos os pentelhos dele usando um cortador de grama. Essa não foi a primeira, nem a segunda e ao que parece, não será a última vez que ele traiu a confiança da minha mãe. Em meu subconsciente me pergunto, como ele pode trair a mulher que dedicou trinta anos da vida dela a um homem que declarou amar e respeitar até que a morte os separasse? Como?
— Filho da put...
— Não. Não fale assim. Acima de qualquer coisa, ele é seu pai, Diego. Sempre te deu de tudo.
— Nem tudo — recoste-me na cadeira sem tirar a mão de cima da mesa.
— Como assim, nem tudo? Você sempre teve tudo, meu filho. — Ela caricia minha mão. — Teve carinho, amor, atenção e uma boa educação.
— Da parte da senhora eu recebi tudo isso. Da parte dele... só cobrança.
— Não diga isso...
— Por que raios está defendendo esse canalha? Ele te traiu inúmeras vezes — bufo de raiva.
— Ele é seu pai — diz chorando.
— Ele é um canalha — falo entre os dentes.
Ela enxuga as lágrimas com o guardanapo. Respiro fundo, e a encaro. Acaricio sua mão para que ela sinta que pode contar comigo.
— Não chora, mãe. Eu vou ficar do seu lado, sempre.
— Eu sei meu filho. Eu te amo.
— Também te amo — me levanto e abraço forte.
Sei o quanto é importante para ela ser um exemplo de mulher perfeita, mas independentemente de qualquer coisa que aconteça, eu sempre ficarei ao lado dela. Volto a sentar e nosso pedido chega. Almoçamos tranquilamente, ou pelo menos tentamos. Depois de saber de mais essa “pulada de cerca” do meu pai, tranquilo é última coisa que eu consigo ficar. Quando terminamos de almoçar, decido dar um passeio com a minha mãe. Entramos em algumas lojas, ela escolhe uma blusa nova, e depois saímos. Minha irmã liga dizendo que não poderá vir ao nosso encontro, então voltamos para casa. Subo para meu quarto e tento estudar, mas só penso em um cara...

— Aí caramba...tanta coisa para pensar, mas só o almofadinha aparece dentro da minha cabeça. 

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Desejo Escondido - Prólogo & Capítulo 01



Prólogo
Chove forte, o céu está cinza e os pingos pesados batem na janela do meu quarto com tanta força que chego a me assustar. Escondo-me debaixo das cobertas com medo dos trovões e relâmpagos. Sempre tive medo deles, só que nunca disse a ninguém, esse é um dos segredos que mantenho escondido. Muita coisa sobre mim, não conto a ninguém, exceto para minha irmã mais velha. Tapo os ouvidos para não ouvir os estrondos vindos do céu. Quando chove assim, sempre acho que o mundo cairá sobre minha cabeça, literalmente. Viro-me de lado e encolhido, fico em posição fetal, sinto-me melhor assim.
Desde que voltei do litoral, estava bêbado e surrado, não consegui esquecer o Alex com aquele outro cara. Eles estavam se beijando, de mãos dadas, trocando carícias e isso me irritou profundamente. O Alex sempre foi a pedra no meu sapato. Ele sempre foi o cara que eu queria manter longe, para que o sentimento que tenho por ele não se manifestasse. Mas, é impossível ficar inerte diante do que sinto.
Passei anos da minha vida reprimindo, escondendo a atração que sinto por outros garotos. Escondo meus desejos do mesmo jeito que me escondo dos trovões. Minha família nunca aceitaria, nem compreenderia essa situação. Quando criança, fui a vários psicólogos, pois eu era uma criança muito agressiva. Lembro-me de uma vez, que um garoto que estudava na mesma classe que eu, segurou no meu pinto dentro do banheiro e eu lhe dei um empurrão que ele bateu a cabeça no chão. Foi a maior choradeira, fiquei de castigo e ainda levei suspensão. Eu senti algo diferente naquele momento, mas de tanto ouvir que era errado, decidi encarar como algo errado. Desde então, os picos de agressividade foram crescendo e o relacionamento com as outras pessoas foi piorando, mas mesmo assim consegui terminar os estudos e ir para uma faculdade.
Outro trovão seguido de um relâmpago, e me encolho ainda mais na cama, choro como se estivesse levando uma surra, mas a paulada é do destino e da vida que estão sendo injustos em me deixar sentir isso por outro homem, isso não é normal. Eu não sou normal.
Todas as namoradas que tive, foram usadas, descartadas depois da transa. Sou questionado porque nunca pego firme com nenhuma delas. Para meu pai, a desculpa que sou jovem e devo aproveitar enquanto posso fazer sexo sem compromisso, que sou seu orgulho por ser o macho alfa da minha roda de amigos. Para minha mãe, deve ser o meu jeito esquentado que assusta as garotas. Mal sabem eles, o que sinto de verdade.
O meu pai não reagiria bem, em saber que seu filho de vinte e dois anos, garanhão da turma de medicina, tem medo de trovão e está encolhido que nem uma mulherzinha donzela e medrosa debaixo das cobertas. E o que ele faria se soubesse o que falei para o Alex e para o namorado dele lá no litoral, com certeza me deserdaria.
“Eu vou ficar com você. Quando eu voltar para cidade vou me assumir para minha família e ficar com você”
Sou apaixonado por você, Alex”
Lembro-me das palavras que disse, da dor que senti ao levar um soco do namorado do Alex, estava bêbado, portanto, não posso levar em consideração o que falei e o que fiz. Olho no meu relógio de pulso, e já são quatro da tarde. Uma tarde tempestuosa assim como minha cabeça e meu coração. Com o barulho dos trovões, tapo os ouvidos, fecho os olhos com medo e acabo adormecendo
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Uma dor fina na nuca me impede de levantar a cabeça de uma vez. Abro os olhos com dificuldade e vejo tudo embaçado. Estou deitado de lado. Feixes de luz entram pelas janelas do meu quarto. Esfrego os olhos para ver com clareza e quando estico as pernas na cama sinto que bati em algo. Ergo o olhar e visualizo minha mãe sentada na ponta da cama. Ela toca minha perna por cima do edredom e diz:
— Filho, o jantar já está pronto.
Seu tom é tranquilo, do que jeito que ela sempre usa para me convencer de algo, mas não quero levantar da cama. Estou com vergonha de ter chegado tão bêbado e enfurecido.
— A quanto tempo está aí? — bocejo.
— Tempo o bastante para perceber que você não está bem. Agora levanta e vamos jantar — bate na minha perna.
— Não estou como fome, mãe — digo cobrindo meu rosto com o edredom.
Na verdade, eu não quero ver ninguém nem ouvir lições de moral. Só de pensar no sermão hipócrita dos meus pais, fico enjoado.
— Diego, você chegou completamente...
— Bêbado. Eu sei disso. — Minha voz sai rouca de sono.
Ela respira fundo e bate, devagar, na minha perna.
— Vou pedir para cozinheira trazer seu jantar aqui...
— Eu não quero comer. Me deixa em paz, que droga! — digo com o rosto coberto.
Desistindo de me convencer a ir jantar, minha mãe sai do meu quarto, ela parece chateada. Não estou com saco para sermão, jantar em família, ou qualquer outra atividade sociável. Estou cansado de tudo. Só queria poder voltar ao passado e apagar tudo que fiz e falei lá no litoral. Esquecer que me declarei para o Alex, que levei um soco do namorado troglodita dele. Em hipótese alguma meus pais podem descobrir que me declarei para outro macho, isso seria o fim para eles e... para mim.
Vagarosamente coloco minhas pernas para fora da cama. Apoio-me nos braços e com uma morbidez sinistra me sento na cama. Estico os braços para afastar a preguiça e um gosto amargo sobe até a boca. Estou de ressaca. Depois de alguns segundos reunindo forças ficando de pé, ando até o banheiro do meu quarto.
Diante do espelho, me vejo como realmente sou. Não o Diego bonitão, garanhão e líder da matilha de “lobos predadores” da faculdade de saúde, não vejo esse. O que vejo é um covarde, beberrão, que se declarou para outro homem e não tem coragem de assumir o que sente nem o que é de verdade, é esse o Diego que vejo no reflexo do espelho do banheiro. E sinto muita vontade de esmurrar a cara desse Diego.
— Lobo predador. Humpf! Essa é boa! — digo olhando no espelho.
Esse apelido foi dado por algumas garotas da faculdade, as mais populares. Acabou pegando e virando nossa identificação. Somos em cinco, e me nomearam líder da “matilha”.
— Talvez se eu fosse um lobo de verdade, tivesse mais coragem.

Entro no box e ligo o chuveiro. Um banho vai ajudar a curar a ressaca miserável que sinto. Seria um milagre que essa mesma água levasse consigo a maldita atração que sinto por outros homens.

Capítulo 1
1 ano depois
 Salto do carro, coloco os óculos escuro, estilo aviador, e meus amigos se aproximam de mim. Formamos nossa “rodinha”. Cumprimento a todos e começamos a inspecionar as garotas que passam. Loiras, ruivas, negras, baixinhas, gordas, todas sem exceção passam por nossos olhares. Já experimentei um pouco de todas, e isso é a maior prova que gosto de mulher. O incidente na praia, com o Alex foi devido ao álcool que estava em alta na minha corrente sanguínea. Balanço a cabeça rapidamente para esquecer do que aconteceu a um ano atrás.
Minha turma, ou melhor, a “matilha” é composta pelos meus melhores amigos. Joseph Barcellos, Kauã Carvalho, e os gêmeos Luís e Lucas Alcântara Machado. Temos a mesma faixa etária, entre vinte e um, vinte e três anos. Joseph é o mais caladão de nós. Ele tem cabelos loiros, longos, passando dos ombros. Não faz o tipo fortão, mas é largo e tem um corpo na medida que as garotas gostam. Ele tira boas notas, nunca falta as aulas e pretende ser um grande cirurgião plástico, assim como seu pai que é um dos mais famosos do país. Em nossas saídas, noitadas e baladas ele é único que fica sozinho, mas sua relação com o Kauã é de uma cumplicidade extrema, os dois sempre saem juntos depois da balada...as poucas vezes que saem sem todos da turma estarem perto.  Uma vez, depois de beber todas, marcamos uma orgia na casa dos gêmeos Luís e Lucas, e foi sensacional, mas o Kauã e o Joseph não ficaram para a putaria que rolou solta na festa. Eles simplesmente foram embora, alegando que o Kauã não estava bem e precisava voltar para casa. Achei estranho, mas nunca comentei nada.
O Kauã, é o mais engraçado, gosta de fazer piada com tudo. E todas suas brincadeiras são de péssimo gosto. Até eu que sou meio bagunceiro, fico cansando das bobagens do Kauã. Só que, de uns tempos para cá, ele parou mais com essas brincadeiras e passou o posto para o Lucas. O cara faz a linha mauricinho, com cabelos cortados e sorriso perfeito. Ele quer ser oncologista, pois perdeu sua mãe para um câncer de mama a três anos atrás, então decidiu estudar essa especialidade para ajudar outras pessoas.
Os gêmeos Luís e Lucas são parecidos em quase tudo, só não no gosto por músicas. Luís gosta de rock e Lucas de pop. Eles usam o mesmo corte de cabelo, raspado dos lados e liso na parte de cima. Luís tem tatuagem nos braços e parece um lutador de MMA mal-encarado. Mas no fundo, é uma boa pessoa. Lucas faz a linha mais calminho, mas é tão brincalhão quanto o Kauã. Os dois tem o mesmo porte físico e querem ser pediatras, pois Luís que namora com minha prima Suellen e disse que se tiverem um filho, algum dia, ele mesmo cuidará da criança como médico e como pai.
Parece que tudo está bem com meus amigos, só com eles.
Encostado do meu lado Lucas diz:
— Como foi com a morena ontem à noite? — me cutuca com o ombro.
— Normal. Nada de especial — digo com indiferença.
Não aconteceu nada de tão extraordinário com a garota que passei a noite de ontem. Ela era bonita, tinha uns peitões que com certeza eram de silicone, chupava bem, mas nada além disso.
— Como assim, normal? — junta as sobrancelhas. — O grande líder dos lobos teve uma noite normal — diz olhando para os caras.
Todos me olham espantados parecendo ter ouvido o anuncio do fim do mundo.
— Ah! Qual é? Não aconteceu nada demais, e daí?
— Você está doente? — Lucas diz colocando a mão na minha testa.
— Será o zika vírus? — diz Joseph cruzando os braços.
— Já sei o que é! — diz Kauã e todos o fitam curiosos. — Você brochou e não quer dizer.
Os caras se viram para mim com olhos arregalados.
— Ah! Vão se foder, seus viados do caralho! — saio andando até a porta da faculdade, atravesso as catracas e sigo direto para a sala.
Eles me seguem sorrido, ou melhor, gargalhando como se tivessem escutado a piada do século. Viro-me para vê-los e estreito o olhar para cada um. Eles param de gargalhar e erguem as mãos em sinal de rendição. Entramos na sala e ocupamos os lugares no meio. A sala não está muito cheia e o professor não havia chegado, ainda. Então me viro para os quatro palermas e digo:
— No dia que eu brochar com alguma garota — aponto para cada um deles — podem cortar meu pau fora, pois prefiro não ter nenhum a ter um com defeito.
— Sim senhor! — dizem em uníssono.
Voltamos nossa atenção para o professor que acaba de entrar na sala. Retiro meus livros da bolsa e abro na página que ele indica. Os caras me olham estranhamente, pois sabem que não gosto muito da aula de hoje, mas preciso fazer algo certo pelo menos nos estudos. Largo o livro em cima da carteira e os encaro com a cara fechada. Eles entendem o recado de que não quero mais continuar com o assunto e cada uma se vira para o professor.
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Nas mesas que ficam do lado de fora do refeitório, espero os caras chegarem para decidir sobre a programação de estudos, pois teremos uma semana, que será a próxima, de provas na faculdade. É o meu sonho ser médico, sempre tive essa vontade de ajudar as pessoas e cuidar da saúde delas. Meu pai queria que eu fosse advogado como ele, mas prefiro ajudar as pessoas de outra maneira.  Retiro os cadernos da bolsa e passo a limpo todas as observações que o professor deu na aula de hoje, administração hospitalar é uma coisa muita chata de se estudar, essa parte burocrática não me enche os olhos.
Os primeiros a se juntarem a mim, são os gêmeos. Lucas vem segurando um sanduíche na mão direita e na esquerda um copo de milk-shake. Eles se sentam, um de cada lado bem na minha frente.
— Então, cara! Conta para gente o que aconteceu com a felina que você pegou ontem — diz Lucas depois de morder um pedaço do seu sanduíche.
— Já te disseram que é feio falar com a boca cheia — arqueio a sobrancelha. — É nojento! Sua boca parece uma máquina de lavar. Vejo a comida girando.
Ele passa o guardanapo para limpar a boca, e depois de engolir o que mastigava, diz:
— E você nunca falou de boca cheia? Ah, tá! Falou o senhor certinho. — Ele se acomoda na cadeira e diz: — Agora, falando sério, mano. Você brochou?
Largo a caneta em cima do caderno, cruzo os braços e encaro o Lucas. Ele é bonitão, os dois são, mas o Lucas veio com um defeito que o irmão gêmeo dele tem em pouca quantidade, a idiotice.
— Cara! Quantas vezes vou dizer que esse assunto já deu?
— Tá bom! Foi mal, irmão — diz antes de beber um pouco do milk-shake.
— Meu gêmeo manja da arte de ser inconveniente. Né irmãozinho? — diz Luís batendo de leve no ombro do irmão.
Os dois ficam se provocando, e tem horas que parecem duas crianças altamente desenvolvidas só fisicamente, porque de cérebro... Tenho algumas dúvidas sobre o que tem dentro do crânio deles.
De onde estou sentado, observo uma movimentação de umas garotas, para o lado da entrada da faculdade, um burburinho. As meninas estão eufóricas e de longe vejo um topete loiro na cabeça de um cara que mais parece o Superman em termos de corpo. As meninas tiram foto dele e com ele. Posam para selfies e o cara não se incomoda com o assédio. Com certeza deve ser alguma sub-celebridade da internet que veio visitar a faculdade e foi reconhecido pelas garotas daqui.
O Joseph se aproxima da nossa mesa, se senta ao meu lado e cutucando meu ombro, pergunta:
— Qual é a do mané bombado? — diz apontando para a rodinha que as meninas fizeram em volta do cara de topete.
— Sei lá! E quer saber? Isso não me interessa — me viro para olhar os cadernos na mesa. — Vamos estudar que é o melhor que a gente faz — digo emburrado.
— Tá azedo para caralho hoje, hein Diego? Porra — diz Joseph abrindo um livro de anatomia.
— Só não tô para conversa mole.
Os caras ficam em silêncio e começamos a focar nos estudos, mas não consigo não para de olhar, de soslaio, para o cara que roubou a atenção de quase todas as garotas da faculdade, e roubou a minha também. Ele se aproxima, e passa bem do lado da mesa onde estou seguindo direto para o refeitório. Dez minutos depois ele volta e procurar um lugar para sentar, segura nas mãos um sanduiche e um copo grande suco. Joseph me cutuca e diz quase sussurrando:
— Chama ele para sentar aqui.
Arregalo os olhos e encaro Joseph.
— Não quero papo com esse mané...
Antes que eu dissesse mais alguma coisa, o Joseph chama o cara de topete loiro para sentar na nossa mesa. E ele acaba de infringir uma de nossas regras: nunca se misturar com estranhos babacas. E esse cara tem jeito de babaca.
— Oh mano! — diz Joseph bem alto para que o cara escute. — Tem um lugar vazio aqui, chega mais.
Não sei de onde saiu tanta simpatia do Joseph, e ainda acho estranho o Kauã, seu cão de guarda, não está colado na barra de sua calça. Olho de lado querendo arrancar a cabeça do Joseph com uma serra elétrica.
— Ah! Qual é? Deixa o cara se enturmar. Somos os mais populares nessa bosta de faculdade, o que custa ajudar um novato, se é que ele veio estudar aqui.
O cara que chamou a atenção de todos no campus, se aproxima e não deixo de notar cada detalhe dele. Ele sorri, e seus olhos azuis se estreitaram formando ruguinhas, um lindo sorriso. Seu cabelo é curto, quase raspado, e tem um topete loiro jogado para o lado direito. Nariz afilado, bem desenhado, que faz seu rosto marcante ficar ainda mais bonito. Os músculos dos seus braços e pernas ficam marcados pela sua roupa social. Uma camisa de mangas compridas branca com listras pretas e uma calça cinza. Ele tem ombros largos, grandes e pela marcação de suas coxas, que são enormes, posso afirmar que esse cara pega pesado na academia.
Ele se apresenta:
— Me chamo Enrico — coloca o lanche sobre a mesa e estende a mão para nos cumprimentar.
Os caras fazem a linha educados, coisa que nunca são, para o novato com pinta de modelo fitness e o cumprimentam com um sorriso falso. Mas, o Joseph olha o tal do Enrico como se o quisesse... comer.
Não acredito que um dos meus melhores amigos, seja... viado.
— Então, Enrico, você é novo por aqui? Tá fazendo que curso? — pergunta Lucas.
— Nada, cara! — ele sorri de lado — Passando para dar uma palestra para os estudantes de educação física. Uma palestra sobre rotina em academia e comportamento. Vocês são dessa turma? — diz com um sorriso simpático.
Seguro minha vontade de manda-lo a merda. Chega todo simpático e nem é aluno da faculdade, idiota.
— Que legal cara! — diz Joseph. — Mas, não somos dessa turma. Cursamos medicina.
— Pô, bacana! — diz o tal do Enrico olhando para gente.
Não sei o que sinto, é mistura de raiva e tesão. Estou com raiva desse cara porque ele está me deixando excitado com essa simpatia, com esse sorriso e esse corpo. Puta merda!
— Por que as garotas fizeram esse alvoroço todo quando te viram? — diz Luís.
— Deve ser fogo no rabo — digo entre os dentes.
O Enrico me olha sem entender o que eu disse.
— O que foi? Falei mentira? Essas meninas não podem ver macho que ficam tudo se oferecendo.
— Calma ai, fera! Estamos conversando na boa. — Enrico toca no meu ombro e eu me esquivo.
Não quero ser tocado por um desconhecido, e não gosto que toquem em mim enquanto conversam.
— Deixa esse azedo para lá, Enrico. Conta aí, por que o alvoroço das meninas? — diz Joseph.
Ele começa contando que voltou de viajem da Europa para morar de vez na cidade. Bebe um pouco do seu suco e continua:
— Eu sou personal trainer, bem, um amante da vida saudável — diz sorrindo.
Porra! Para que ficar sorrindo assim?
— Olha só! — grita Kauã, que se aproxima da mesa. — Enrico German, o cara mais famoso da internet. Cara, eu vejo todos os seus vídeos e te sigo nas redes sociais.
Encaramos o Kauã, que apareceu não sei de onde, sem entender como ele conhecia esse tal de Enrico e nós não.
— Como assim, você conhece esse cara e eu não? — diz Joseph de um jeito estranho, parece estar enciumado.
Kauã se senta ao lado do Enrico e o cumprimenta com muita amabilidade.
— Mano, esse cara aqui — aponta para o Enrico com polegar. — É um dos maiores personal trainers da internet. Os vídeos dele são incríveis, dicas maravilhosas para quem frequenta a academia. Milhões de visualizações. Vocês precisam ver. — Kauã se vira para o Enrico e diz: — Acabei de saber que você vai dar uma palestra para turma de educação física, posso assistir?
— Claro que pode, cara, vai ser legal ter você lá — aperta o ombro do Kauã. — Aliás, todos vocês estão convidados — diz sorrindo e se levanta depois de tomar quase todo o suco. — Se me derem licença, preciso ir até a sala para arrumar tudo para a palestra.
Ele se despede dos caras com um aperto de mão amigável, e quando vai se despedir de mim nem me dou ao trabalho de erguer o olhar para falar com ele. Não sou obrigado a ser educado com almofadinha que paga de bom moço. Ele vendo que não o cumprimentei, encolhe a mão envergonhado e sai da nossa presença. Os caras me olham como se eu fosse um ser de outro planeta.
— Qual foi? Não sou obrigado a ser educado com quem não conheço — digo voltando meu olhar para os livros.
— Educação mandou lembrança! — dizem em uníssono.
— Ele deve ser mesmo geração saudável — diz Lucas pegando o sanduíche que o tal do Enrico deixou. — Ainda tá quente — abre o lacre e dá uma mordida.
Balanço a cabeça em negativo e sorrio com o jeito do Lucas. Passado o episódio com o palestrante boa praça e famoso, voltamos a estudar e aproveitar os últimos minutos do intervalo.