sábado, 4 de março de 2017

Desejo Escondido - Capítulo 05



Passei muito tempo da minha vida escondendo quem sou de verdade. Sozinho, comecei a buscar informação sobre a homossexualidade. Na adolescência, quando os desejos foram ficando mais fortes, uma confusão se instaurava na minha cabeça. Tinha vergonha de conversar com alguém da família, minha mãe morreria se soubesse que único filho homem que ela tem gosta de garotos, meu pai me deserdaria e me chutaria para fora de casa como um cão sem dono. Sempre temi a reação deles. Então, escondi quem eu era.
Fui criado para ser um menino, que gosta de fazer coisas de menino. Como brincar de carrinho, jogar bola, apostar corrida com os outros meninos, soltar pipa, e tudo isso eu fiz. E até gostava, mas também sentia que algo estranho havia comigo. Sempre me senti diferente. Por isso hoje eu digo: “eu não virei gay, só não havia descoberto o que eu era de fato”.
Hoje, três dias depois da conversa que tive com o Joseph na academia, sinto que me aceitar primeiro foi a decisão mais importante que tomei na vida. Durante esses dias remói tudo que passei durante esse tempo, e mesmo começando a me aceitar, ainda tenho medo da reação das pessoas. Vencer esse medo é o próximo passo.
Sentado na grama do campus, perto do refeitório da faculdade, debaixo da sombra de uma mangueira em flor, observo o céu. Está ensolarado, mas não muito quente. Penso nos meus amigos. Lembro do dia da festa na casa dos gêmeos. Os gêmeos aceitaram bem que dois do nosso bando fossem namorados. O Luís se aproveita disso para jogar charme nas garotas que insistem em querer serem aconselhadas pelo Joseph ou pelo Kauã. O Lucas se assustou no primeiro momento, mas depois levou tudo numa boa. E eu tive a pior reação de todas, mas é melhor virar a página.
Por falar neles, os quatro se aproximam de onde estou. Sentam-se formando um círculo.
— Tenho uma novidade — diz Kauã abrindo a bolsa e retirando ingressos. — Vamos ao show da nossa banda favorita.
Todos dizemos de uma vez: Uau!
— Onde conseguiu os ingressos, amor? — diz Joseph agarrando Kauã pelo pescoço.
Os gêmeos olham estranho para os dois e depois para mim, talvez para ver se eu desaprovo a conduta do casal. Não vou mentir, sinto um certo desconforto em vê-los assim, mas como estou tentando ser uma pessoa melhor e me aceitando, preciso também aceitar as pessoas como eu. Sorrio para os gêmeos. Eles entendem que não devem falar nada e desmancham a expressão de estranheza.
— Despedaçados é melhor banda que faz o melhor cover do pop rock, você acha que eu perderia a oportunidade de irmos todos juntos — Kauã aponta para nós. — Esse será o nosso show!
— Nosso show — diz Joseph olhando nos olhos de Kauã e o beija, um selinho.
— Já contou para eles? — Kauã se vira para nós.
— Achei melhor fazermos isso juntos — diz Joseph.
Nos entreolhamos sem entender nada.
— Perdi alguma coisa? — falo com a testa franzida.
Eles respiram fundo e Kauã diz:
— Vamos morar juntos, depois desse fim de semana. Vou me mudar para o apartamento do Joseph.
Isso sim é uma notícia surpreendente. E um passo importante para os dois.
— Que merda! — diz Luís. — Vocês agora são um casal de verdade. Quem diria, meus melhores amigos são gays. — Ele olha para o irmão e diz: — Lucas, não vai me dizer que você...
Lucas se vira para o irmão e arregalando os olhos diz agitando as mãos:
— Tá maluco? Sou homem — olha para mim, para o Kauã e para o Joseph como arrependimento. — Foi mal, aí! Vocês continuam sendo homens, e tal, mas eu não gosto de homem, não sinto desejo por outro homem.... Ah, vocês entenderam.
Sorrimos com o jeito desastrado do Lucas falar. Ele às vezes, é tão espontâneo e sincero quanto o irmão, e maluco também.
— Sabe o que é interessante na nossa amizade? — diz Kauã.
Balançamos a cabeça em negativo.
— Resolvemos nossas diferenças em tempo recorde — ele sorri.
— De fato. Mas, não pense que é tão fácil ver vocês dois tentando viver normalmente — digo lembrando das piadinhas e ofensas que escutamos desde então.
— Isso estamos tirando de letra. Não é fácil, mas vamos conseguir superar isso também — diz Joseph.
— O que fez você tomar a decisão de se mudar para a casa do Joseph? — Lucas fala.
Kauã e Joseph se entreolham e o Kauã responde:
— Meus pais me botaram para fora de casa. Disseram que não aceitavam um filho viado e então o Joseph me convidou para morar com ele — Kauã aperta o queixo de Joseph. — Estudaremos juntos, vai ser legal.
Se algum dia, eu conseguir contar para meus pais que sou gay, serei tratado da mesma forma. E o problema não será só não ter para onde ir, muito sentimento envolvido e a decepção será o pior de encarar.
 Nossa conversa continua com a euforia de todos em ir ao show da banda “Despedaçados”. Será no próximo fim de semana, e uma coisa é certeza, vamos beber muito e curti o melhor som do pop rock da região.
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Depois da aula, dentro do meu carro, escolho um CD qualquer. Por incrível que parece, eu tenho o álbum com a trilha sonora do musical Dreamgirls. Lembro que ganhei esse CD da minha irmã, que me pegou uma vez cantarolando uma das músicas do filme. Sempre escondi a paixão que tenho por musicais. Se meu pai descobrisse que seu filho prefere os musicais da Broadway a pornô hétero, ficaria vermelho de ódio.
Escolho “Steppin’ To The Bad Side”, coloco os ósculos estilo aviador, dou partida no carro e fazendo charme de mafioso sigo para casa. Pensando na vida, revendo algumas coisas que fiz, desejando não ter que fazer mais besteiras daqui para frente, assim eu sigo meu caminho. Bem, é o caminho até a minha casa, mas nesse pequeno espaço de tempo dá para por muita coisa em ordem dentro da cabeça.
Quando estava saindo da sala, pelos corredores da faculdade, dei de cara com o Alex. Já faz um ano desde que ele mudou de horário só para não ter o desprazer de me encontrar. Sou um desprazer ambulante. Ele está certo na decisão. Seu namorado, com certeza, ficaria emputecido de tanto ciúme se soubesse que ainda poderíamos nos esbarrar pelos corredores. O tal Otávio, seria capaz de aparecer aqui só para terminar o serviço que começou lá no litoral, arrancar meus dentes. Olhei para Alex, e ele não desviou, veio falar comigo. Ele se aproximou, ficou parado na minha frente e disse:
— Você está bem, Diego?
Lembro que estava nervoso por vê-lo novamente. Ele continua lindo, mais lindo. Ele sorriu educado depois que perguntou como eu estava. Respondi que estava bem e que minha vida estava entrando nos eixos, tudo mentira. Ele ficou feliz em saber que estou bem, foi o que disse estendendo a mão para me cumprimentar. Despediu-se dizendo que estava atrasado para um seminário que por isso tinha chegado cedo na faculdade. Respirei fundo ao sentir a mão do Alex na minha, e nada mais. Nenhum arrepio, nem desconcerto, nem a obsessão maluca que tinha, tudo se foi. Tocar o Alex foi estranho, de um jeito bom para mim, pois conclui que estava me libertando do amor platônico que sentia por ele. Isso é um excelente começo.
Paro o carro na porta da garagem. Entro dentro de casa, e o silêncio é intrigante. Ando até a cozinha e nossa cozinheira está terminado de limpar o balcão. Ela é branca e tem cabelos loiros, é uma senhora de uns cinquenta anos. Vira-se para falar comigo e avisa que minha mãe saiu para um encontro do clube do livro que ela participa com as amigas, avisa que meu pai e minha irmã ainda não voltaram de seus respectivos trabalhos.
— Obrigado por avisar, Jacira — digo saindo da cozinha.
Subo direto para meu quarto, jogo a bolsa em cima da cama, tiro a camisa ficando só de calça jeans e ligo o notebook. Não sei o motivo, mas estou curioso por saber mais sobre o tal Enrico que todos falam. Clico no navegador e a página inicial de pesquisa abre. Digito o nome dele: Enrico German e clico em imagens. Arregalo os olhos.
Várias imagens dele sem camisa, ou só de sunga, ou só de calça. Imagens de propagandas de roupas esportivas. Estou impressionado com o tamanho do portfólio desse cara. Clico em vídeos, e um Uau! Sem som sai da minha boca. O canal de vídeos dele tem mais de dois milhões de seguidores. Segurei o queixo, literalmente. Começo a fuçar sobre sua história e não tem muita coisa, o mais polêmico é que ele já fez vídeos pornôs. Só que uma reportagem me chama atenção. Em um site popular de notícias, existe a seguinte manchete: “Juan Marco German, milionário no ramo das telecomunicações, encontra seu herdeiro perdido” e junto tem fotos do Enrico e do Juan Marco. Lembro de algumas pessoas falando sobre essa história. Empresas ficaram à beira de colapso quando essa notícia veio à tona. Sem conseguir conter a curiosidade, vasculho essa história por vários sites e cada um tem uma manchete diferente falando da mesma história. Tem até relatos que o Enrico era garoto de programa antes de reencontrar seu pai. Isso sim é novidade.
— Quem diria, hein Enrico Almofadinha? Garoto de programa! — penso em voz alta passando as imagens no computador.
Não posso negar, ele um cara muito bonito. Seus olhos azuis encantam. Rosto marcante, sorriso doce e contagiante. Cada traço seu exala sedução. As fotos da internet são das mais variadas. Tem Enrico usando terno e gravata, e a elegância com essas roupas é fascinante. As fotos de sunga são as melhores, pernas grossas. As de roupas de academia também, mostram quase tudo dele. Braços grandes, grosso... estou babando em cada foto que vejo.
Abro a imagem onde Enrico está usando uma sunga azul com cordões soltos, e fico admirando cada pedaço do seu corpo. Mordo o lábio, e engulo a saliva, pois a boca está inundada só em ver essa imagem. Recosto-me na cadeira e perco a noção de tempo olhando para a foto. Não sei quantos minutos foram que passei olhando a foto, até que sou puxado para a realidade.
Minha irmã está do meu lado, ela toca meu ombro e diz:
— Quem é esse? — puxa um pufe e senta-se ao meu lado.
Até que enfim, uma pessoa que não conhece o Enrico.
— É um cara que conheci... Quer dizer, ele apareceu na faculdade, dias atrás, para dar uma palestra — digo colocando as mãos atrás da cabeça.
— E ele chamou a atenção de todos, acertei?
Digo que sim com a cabeça. Levanto-me da cadeira e me jogo na cama. Amanda me segue, mas puxa a cadeira que eu estava sentado, ela estica as pernas na ponta da cama.
— Você sempre soube, né verdade? — digo fechando os olhos.
— Estamos tendo aquela conversa que eu disse que poderíamos ter? — Ela sorri.
— Sim.
— Diego, só um cego para não perceber que você é gay — diz desabotoando o blazer preto. — Aquela sua obsessão pelo Alex te entregava, dava muito na cara, mas quem teria coragem de falar alguma coisa? Ninguém. Nosso pai daria o maior chilique.
Nessa parte sou obrigado a concordar, se nosso pai soubesse ou suspeitasse de algo o inferno se instauraria nessa casa. Preferi viver no meu inferno particular, sofrer sozinho, foi meu erro.
— Eu encontrei com o Alex — digo quase sussurrando.
— Nossa! E como foi? — franze o cenho. — Você não foi grosso com ele, foi?
— Claro que não, Amanda. Por que eu seria grosso com ele?
— Por que você é o Diego que sempre conseguiu tudo, e sempre foi estupido com todo mundo.
Acabo de levar um soco na boca do estômago. Minha irmã sabe ser tão direta e sincera, que até me assusto.
— Estou mudando, mana. Espero conseguir.
Ele bate palmas parecendo uma foca feliz.
— Dieguinho! É assim que se fala. Estou feliz que tenha acordado para a vida.
— Eu não dou tão na cara assim, dou? — digo me sentando na cama.
— Hum! Deixe-me pensar — diz com a mão no queixo. — Para nossos pais não. — Amanda se levanta, pega seu blazer e diz: — Preciso ir, quero tomar um banho e por meus pés na água morna. — Ela anda até a porta e antes de sair do meu quarto, pontua: — Aconteça o que acontecer, estou junto com você nessa — solta um beijo e sai.

Fico só, organizando meus pensamentos. A minha aceitação foi um grande desafio, pois a ficha começou a cair quando vi minha mãe vivendo uma mentira, um casamento infeliz. Eu não quero viver assim, eu não quero isso para mim, é como se não estivesse vivendo de verdade.