sexta-feira, 16 de junho de 2017

Desejo Escondido - Capítulo 07






A noite não terminou, e ainda tinha muito o que acontecer. Depois que saímos da boate, eu e os caras, junto com os integrantes da banda, e até algumas garotas, seguimos para o apartamento do Luv que fica na área nobre da cidade. Ele não é muito famoso a ponto de comprar um imóvel desses nessa parte da cidade, mas sua família é rica e comprou para ele. Já vi essa história, de ser mimado pela família, antes.
No elevador, estamos só nós do bando, subimos os vinte andares até o apartamento. Encosto a cabeça na parede do elevador e fecho os olhos, penso no convite do Enrico, eu aceitei sair com ele. Não tinha noção de que, para ser sincero, os convites para encontros gays eram tão normais e tão parecidos com os dos héteros, pelo menos esse foi parecido. Ele chegou vertendo simpatia, com um sorriso hipnotizador, e investiu suas fichas. Do mesmo jeito que se faz quando chegamos em uma garota na balada, o Enrico fez. Exceto pelos nossos momentos monossilábicos – e ainda contou um pouco de sua vida. Eu aceitei sair com ele. Não me reconheço desde então.
— Tá pensando demais, hein Diego! — diz Kauã me cutucando no braço.
— Ele está pensando nos braços fortes do Enrico — suspira Luís fazendo cara de donzela só para me provocar. — Eu vi vocês dois conversando lá na boate.
— O Diego conversando com Enrico? Tipo, conversando numa boa? — diz Kauã arregalando os olhos, espantado sem entender nada.
— Isso sim é novidade! — pontua Joseph sorrindo desconfiado. — Conta aí o conteúdo da conversa?
— Ele me convidou para sair... — suspiro, cansado. — E eu aceitei.
Eles se entreolham e começaram a gargalhar.
— Você aceitou sair com o Enrico? — Luís grita e estapeia minhas costas.
— Para com isso, seu maconheiro — digo me esquivando dos tapas. — Vamos deixar esse assunto para lá, ok?
 As portas do elevador se abrem e estamos na cobertura. Ouvimos o barulho vindo de uma porta ao fundo do pequeno corredor, Kauã olha o papel com endereço que pegou o Luv lá na boate e confirma que é esse o local da festa.
Duas batidas e abrem a porta nos deixando entrar. Música relativamente alta, as garotas já estão seminuas, e outras completamente peladas, os caras seguem o mesmo ritmo. A bebida é servida em um suporte que parece uma bomba de combustível, e foi de longe o acessório que rendeu minha atenção. Comento com os caras que quero um “troço” desses de presente.
O anfitrião nos recebe com euforia. Luv nos cumprimenta com um abraço. Ele já está sem camisa, e uma das garotas que vierem junto com ele, cola em seu pescoço e passa a mão por toda extensão de seu abdômen. Ele fixa os olhos na mão da garota e segue sua mão até que ela encontra a boca dele. Luv pega a mão da garota e chupa o dedo do meio dela. Eles se beijam com vontade.
— Ok! Vamos pegar uma bebida — diz Joseph puxando Kauã para a cozinha onde a bebida é servida.
Os gêmeos e eu seguimos os dois. E tudo está uma perfeita zona. Pessoas engatadas umas nas outras em cima da mesa, do balcão, na geladeira. Dou uma volta de trezentos e sessenta graus com o olhar e concluo: “ putaria, a gente vê por aqui”.
— Cara, se anima! — diz Lucas ao meu ouvido. — Olhas as oportunidades — diz apontado para os engatados em cima da mesa da cozinha.
— Eu que não vou sair por aí agarrando qualquer um — desdenho.
— Não precisa ser qualquer um — Joseph diz se aproximando, segurando uma garrafa de cerveja. — Pode ser o anfitrião, alguém conhecido de muito tempo. — Ele aponta para onde o Luv está junto com um garoto.
O cara estava pegando uma menina, agora pulou para um garoto que, tenho certeza, não faz parte da banda.
— Quem é aquele magrelo? — digo vislumbrando a cena.
— Não sei. Só sei que... — Joseph se apoia no meu ombro e sussurra no meu ouvido — Tem uma bundinha apetitosa, não acha? — sorri de lado.
Mordo os lábios. Fazia tempo que não sentia tanto tesão quanto sinto agora. O garoto que está envolvido pelos braços tatuados do Luv, é magrinho, pele bronzeada, cabelo encaracolado, lábios rosados e uma bunda linda. Excitado, penso em como pretendo liberar todo tesão dentro da bunda desse menino.
Bebo toda cerveja de uma vez, sinto o amargo no fim e faço uma careta. A coragem que tanto busquei, apareceu. Olho para a garrafa vazia na mão. Não estou bêbado a esse ponto. Prometi a mim mesmo que não seria mais assim. E estando relativamente sóbrio, irei experimentar de uma vez o sexo com outro cara.
Aproximo-me dos dois, que se beijam calorosamente. Luv percorre as mãos pelas costas do garoto até chegar a sua bunda, e apalpa com força. O garoto veste uma calça jeans apertada. Isso faz meu pau latejar. Luv me fita com seus olhos cobertos por uma sombra lasciva, e indica com o queixo o lugar ao seu lado para que me sente. Antes de me sentar ao seu lado, tiro a camisa, e ouço um gemido vindo do garoto e de Luv, eles sorriem se entreolhando.
— Você está uma delícia, Diego — diz Luv piscando.
— Seu amigo? — digo me sentando ao lado deles, colocando o braço ao redor do garoto.
Luv olha para o garoto e acaricia o pau dele por cima da calça.
— Um amigo de foda — beija a bochecha bronzeada do garoto. — Lindo, não é?
Meneio a cabeça concordando. O garoto sentando no meio de nós dois, olha para minha boca e tenta me beijar, mas o interrompo.
— Primeiro, gosto de saber quem estou beijando — digo segurando seu rosto com a mão esquerda.
Seus lábios rosados despertam algo dentro de mim que ainda não conhecia. Estou me descobrindo.
— Ronny, me chamo Ronny. Satisfeito? — diz quase sussurrando.
— Por hora, sim.
Encosto meus lábios nos dele, e sinto o gosto de vinho. Olho para Luv que bebe de uma taça de vinho tinto.
— Deixem um pouco para mim, rapazes! — Luv se aproximando e nos beija.
Um beijo a três. O contato dos nossos lábios é estonteante, ardente. O desejo desperta no meio de nossas pernas, estamos excitados e é inevitável não nos acariciarmos. Minha mão desce até o pau do Ronny e Luv faz o mesmo no meu, brincamos com nossos membros rijos. O beijo fica mais forte, lambuzado e com gosto de vinho e cerveja. A respiração fica pesada. O combustível, não é a bebida, é o desejo, o eterno desejo de satisfazer as nossas vontades carnais. Mergulho de cabeça no turbulento mar que é o tesão que sinto. Esqueço de tudo, e me rendo ao infame prazer de trepar com dois caras.
Com mãos hábeis, experientes, Luv desafivela o cinto da minha calça e a desabotoa em seguida enfiando a mão dentro da minha cueca. Prendo a respiração e paro de beijar. Olho para a mão dele e ele não para de beijar o Ronny, e nem tira a mão dentro da minha cueca. Sinto um arrepio. Pouso minha mão sobre a dele, e forço para que não saia, pois, a sensação de ser acariciado assim é boa para caralho. Repito o gesto no Luv, mas não com tanta habilidade. Ele para de beijar o Ronny para me ajudar a desabotoar sua calça preta de couro. Luv está tão excitado quanto eu, quanto o Ronny, ou quanto qualquer um aqui.
— Hum... delicia! — Luv geme em meio aos beijos.
Estamos os três pegando um no pau do outro, enquanto nossas línguas se entrelaçam. Tenho certeza que se continuarmos assim sou capaz de gozar na mão do Luv. Afasto-me do beijo, me levanto e retiro minha calça ficando só de cueca com o pau para fora. Luv também se levanta, mas pede para que o siga até o quarto. Olho para os caras que estão do outro lado do apartamento. Luís e Lucas estão cada aos beijos com duas garotas, Joseph e Kauã bebem e conversam com o único integrante da banda que não está beijando ou transando com alguém. E eu sigo com o Luv e o Ronny para o quarto.
Na minha frente, Luv para na porta do quarto antes de abrir, se vira e diz:
— Querem algo especial? Um brinquedinho, algo comestível? — solta uma piscadela.
— O que tem em mente? — fito seus olhos.
Sinto as mãos de Ronny envolverem meu abdômen e descer até minha virilha. Ele fala bem perto do meu ouvido:
— Vou pegar um tubo de chantilly e já volto. — Ele mordisca minha orelha.
Esse garoto me provoca, tem cara de menino safado e eu gosto da ideia de enraba-lo sem dó.
— Hum! Chantilly! — Luv diz abrindo a porta do quarto.
Entramos. As cortinas estão fechadas e o quarto está frio por conta do ar condicionado. A cama é redonda, com lençóis pretos de cetim e grandes travesseiros e almofadas também revestidas de cetim na mesma cor dos lençóis. Quem na face da terra tem uma cama assim? O que Luv fez em seu quarto foi recriar um ambiente parecido com um motel de luxo. Já fui em um que tinha uma cama redonda, e foi um desastre, a menina que estava comigo era virgem e estava assustada, e eu nunca tive muita paciência para virgens.
— Vem comigo... — Luv fica nu e se jogando na cama. — Dieguinho — sorri de lado.
Puxo a cueca e meu pau já está todo melado. O tesão é grande, e não me controlo quando estou quase explodindo. Mas tudo isso aqui, é só sexo, só curtição, por mais que esteja extremamente excitado, é só sexo. E eu gosto de não ter compromisso.
Deito ao lado de Luv e o beijo. Ele segura minha nuca e me aperta. Nossas caricias são interrompidas por Ronny que entra no quarto de supetão com o tubo de chantilly nas mãos.
— Começar sem mim, não vale — ela diz falsamente frustrado.
— Chega mais! Meu pequeno —  Luv indica o espaço entre nós dois para que Ronny se aproxime.
O garoto se deita e diz:
— Trouxe isto — balança o tubo. — É o melhor chantilly que existe — sorri.
Notei desde que vi o Ronny, que ele está com um sorriso bobo na cara. Talvez, seja a sua primeira vez a três, com dois homens, ou até sua primeira vez de tudo. E não entendo tamanha alegria se é a sua primeira vez.
— Sua primeira vez, Ronny? — pergunto direto.
— É a sua? —
— Enrabando um moleque gostosinho igual a você, não, não é a minha primeira vez — aperto sua bochecha.
Sorrindo maliciosamente, ele abre a tampa do tubo de chantilly, espirra um pouco no dedo indicador e passa na ponta do meu pau. Escapa de mim um gemido alto.
— Com você, será a minha primeira vez. — Ele desce a boca até o meu mastro e o chupa com vontade.
A sucção é acelerada. Meus gemidos escapam sem controle. Jogo a cabeça para trás e fico vulnerável, entregue. Fazia tempo que não sentia um tesão desses.
— Hum... que delicia, Dieguinho — Luv sussurra no meu ouvido. — Também quero te chupar, não vou deixar tudo para o guloso do Ronny.
Ele se inclina, afasta Ronny, e abocanha meu pau com vontade. Levo minhas mãos a sua cabeleira, e acaricio sua cabeça enquanto ele me chupa. Ronny só observa com um olhar faminto, desejoso. Seguro-o pela nuca e o puxo para um beijo. No meio de dois homens, sendo tocado, chupado e beijado, estou no paraíso do prazer e luxúria, mas vivo num inferno internamente. Esqueço de todos os problemas por um instante, fico com a mente limpa e me entrego ao prazer do momento.
Luv para de me chupar e volta a me beijar, e Ronny se afasta vestindo seu pau com uma camisinha. Depois de me beijar, Luv volta toda sua atenção para o Ronny que está duro e sedento. Luv fica de quatro em cima da cama. Ronny é um moleque franzino, parece até um bonequinho de porcelana, com feições frágeis, mas está rendido aos seus instintos. Por agora, ele é um animal pronto para abater sua caça. Isso é que o desejo, o sexo puramente instintivo, faz com as pessoas.
Segurando Luv pela cintura, ele acaricia seu pau fazendo movimentos de vai e vem, antes de penetra-lo. Desta vez prefiro assistir, quero ver até onde posso aguentar só observando os dois transarem. Luv inclina a cabeça e recebe um beijo lambuzado de Ronny, eles gemem com as bocas coladas. Se eles irão trepar, precisam de espaço, então levanto-me da cama e sento na cadeira, apoiando os pés na beirada da cama,  ficando bem de frente para os dois.
Meu amigo, e vocalista da minha banda de covers favorita, nem de longe parece o homem que é quando está cantando no palco, aqui ele parece um cordeirinho nas mãos do Ronny, que controverso. Os dois se deleitam de seus corpos, estão instigados pelos seus desejos mais impetuosos. Ronny se posiciona com Luv de quatro e acaricia sua bunda, e com o dedo polegar massageia bem sua entrada. A cena é provocadora, mas decido ser apenas um expectador. Ronny se inclina, abre bem a bunda de Luv e cai de boca. Nesta hora quase gozo em ver toda aquela ousadia. Ronny está comendo, literalmente o cu do Luv.
Não tem como resistir, começo a me masturbar com força, abro as pernas e com a mão esquerda acaricio minhas bolas enquanto a direita fica firme no meu pau. Sou expectador de um pornô gay ao vivo e a cores – cores  bem quentes.
Depois da comida de rabo, Ronny se ergue, e com delicadeza, enfia a cabeça de seu membro inchado no cu do Luv, o roqueiro geme de dor e prazer. Ronny para por um instante, e depois volta a penetrar, até que seu membro está por completo dentro do Luv. As estocadas são lentas no início, e vão acelerando a cada segundo, até parecer uma britadeira em velocidade máxima. São longos minutos vendo “a festinha” dos dois, até que eu gozo. Com muita vontade e espirrando porra para tudo que é lado nas minhas pernas. Gozo tudo que estava guardado desde aquele dia naquele puteiro com aquela prostituta, a diferença é que aqui estou sóbrio e sentindo o prazer na pele. Com aquela desconhecida eu estava bêbado e fora de mim.
Ouço os dois gemerem chegando ao ápice de sua transa. Luv desaba na cama, suado e Ronny deita sobre ele sem retirar seu pau de dentro da bunda do roqueiro. Eles se tocam, se acariciam e eu me junto a eles. Nos acomodamos um ao lado do outro, e em silencio, conseguimos ouvir nossas respirações ofegantes. Nos entreolhamos e sorrindo de lado, digo:
— Vocês enganam bem! Seus pervos do caralho.

— Achou que eu seria o ativo e o Ronny o passivo delicado? — Luv acaricia minha bochecha. — Aprenda uma coisa, meu amigo. Nada do que se vê, parece realmente ser. 

Desejo Escondido - Capítulo 06






O dia do show da banda Despedaçados é hoje, em uma das maiores boates da cidade. Teve chamada no jornal local, outdoors em todos os lugares de grande circulação. O show terá como tema os anos 90, década que aproveitei só no final, pois era pré-adolescente. Gostava de várias bandas de rock pop, e pop também. Adorava quando voltava da escola no fim da tarde e corria para assistir os clipes mais votados do dia em um canal de músicas. Foi uma época legal.
Passei esses dias, antecedentes ao show, colocando os estudos em ordem. Fazer medicina exige muito, como em qualquer outro curso. A semana de provas se aproxima e tenho que fazer bonito, pois quero me superar. Escolhi medicina por conta do meu avô materno, já falecido, que era médico. Uma vez ele me levou sem eu consultório e acompanhei de perto as consultas que fazia – algumas vezes, ele me mandava sair da sala de consultas quando o paciente precisava de privacidade. Eu era fascinado por tudo no consultório, desde o jaleco branco até o estetoscópio. Perguntava ao meu avô como fazia para ser tornar um grande médico, e ele respondeu: “com muito trabalho, esforço e amor pelo que faz”. Ele ainda completou que eu poderia ser o que quisesse, só bastava dedicar muito amor no que eu escolhesse fazer. Meu avô sabia das coisas.
Em casa, as coisas andam muito estranhas, fingidas. Meus pais não se falam direito, mas quando temos visitas são todos sorrisos. Isso é viver um casamento de mentira. Desde a última briga, aquela antes de eu ir à festa... enfim, depois daquela briga meu pai tentou, de todas as maneiras, se desculpar pelo pequeno deslize com a assistente dele. Minha mãe, não acreditou e ele passou a dormir no quarto de hospedes por alguns dias, depois voltou a dormir na mesma cama que a mamãe. Eu não sei o que faria se algum dia, a pessoa com quem eu escolhesse para viver ao meu lado, me traísse tão descaradamente como meu pai faz, acho que mataria de tanta porrada na cara.
Aqui na biblioteca, estudando a mil por hora, e pensando em tudo ao mesmo tempo, tento ficar centrado. Focado só nos estudos, apesar de tudo. Acho que esse lugar, junto aos livros, me ajuda a ter foco, me sinto bem aqui – me sinto normal. Mesmo que outros achem que sou diferente, aqui me sinto como qualquer outra pessoa. Com uma jaqueta jeans amarada na cintura, usando camiseta regata branca listrada de vermelho e com os cabelos no corte moicano, Lucas se aproxima e senta à minha frente.
Corte moicano? Onde eu estava que não vi isso?
— Gostou? — balança a cabeça mexendo as madeixas que sobraram no alto da cabeça.
Dou um tapa na parte raspada.
— Tá querendo ficar no estilo? — digo segurando o riso.
— Que estilo? — diz arqueando a sobrancelha.
— Estilo modelo de revista! Aquele tipo, o estilo do Kauã — dou uma piscadinha.
Ele fica nervoso. Se tem uma coisa que gosto de fazer, é zoar com o Lucas. Ele é todo bobo, meio lento em vários quesitos e um deles é não entender de primeira quando está sendo zoando por nós. Porém, ele tem um grande coração, apesar de cafajeste e prezar por sua liberdade. A mulher que se apaixonar por esse bobão zoeiro vai ter um pouco de trabalho... quer dizer, muito trabalho.
— Oh! Tá me estranhando? Não sou igual a vocês — diz fechando a cara de lerdo.
— Sei que não é — sorrio. — Mas que está parecendo um modelo de revista, ah isso está.
— Foi dica do Kauã — diz quase em um sussurro.
— Ah! Não falei — começo a gargalhar, mas lembro que estou na biblioteca da faculdade e tapo minha boca.
— Vocês gays entendem de moda, por isso pedi ajuda a ele.
Outra pessoa com essa conversa de que todo gay entende de moda. Isso cansa.
— O Kauã entende, ele já fez trabalhos de modelo, mas pergunta para o Joseph se ele sabe a diferente entre coes e cintura.
Nos entreolhamos.
— Você sabe a diferença? — Lucas aponta para mim.
— Tem diferença? — conjecturo colocando a mão no queixo.
— Para mim é tudo cintura. — Ele diz levantando as mãos.
— Para mim também é — concordo batendo na sua mão direita.
Lucas deixa os ombros caírem, como se estivesse cansado, vencido e chateado, de repente.
— O que foi, irmão? — digo apertando seu ombro.
— Acho que vou sempre dar bola fora com vocês. Não sei como tratar um gay, se não for na zoação, e sei que isso ofende.
As palavras fogem, correm da minha cabeça como se fugissem de um tsunami. Estou diante de um cara que é meu amigo, um dos melhores, meu cúmplice nas maiores tolices e imprudências da vida. E não sei como agir com ele, o que falar, como orientar. Fomos criados em um modelo social, que para muitos é o correto, onde ser gay é motivo de gozação, descaso e até xingamento.
Mas, agora estou com conversando com um homem, que recebeu essa mesma construção de sociedade tida como normal, na minha frente dizendo que não quer tratar os gays com piadas ofensivas. Onde eu estava que perdi essa evolução do bobão zoeiro?
— Cara, vamos aprender juntos, pois eu sou novo nisso também — sorrio.
— A noiva do Luís — diz com o indicador virado para mim. — Sua prima, a Suelen, ela disse que: já que o Kauã e o Joseph são namorados, poderiam ajudar na escolha do vestido de noiva dela.
— A Su disse isso? — franzo a testa.
— Sim — balança a cabeça em positivo. — Ela disse que todo gay entende de moda, pois a maioria de vocês tem alma feminina de estilista.
Fecho os olhos e coloco as mãos no rosto para esconder a vergonha que sinto de ter essa menina como minha prima. Eu sou gay e não sei porra nenhuma de moda feminina. Ela não pode estereotipar dessa maneira. Começo a entender o que terei que enfrentar pela frente.
— Irmãozinho — digo fitando os olhos do Lucas. — Essa garota é louca, e isso é preconceito. Não vai na dela.
Quem diria...logo eu, o cara mais preconceituoso falando sobre o que é preconceito de verdade. Às vezes, nem eu mesmo me reconheço. Isso prova que estou mudando.
— Entendo — sorri de lado. — Como nós mudamos desde ano passado, não é? — confirmo que sim com a cabeça e Lucas continua. — Éramos os piores preconceituosos dessa faculdade, e hoje temos três gays no nosso bando.
Ele diz com certo pesar na voz, mas o Lucas ainda está se acostumando a tudo isso.
— Vamos parar com essa conversa, pois ninguém morreu por conta disso. E nem vai morrer — digo me levantando.
— Beleza! Você tem razão — ele se levanta. — Agora vamos, pois temos um show hoje à noite e antes de irmos nos arrumar, temos mais uma aula. E eu detesto aulas nos fins de semana — diz torcendo a boca.
Sigo com Lucas para fora da biblioteca. Apoio meu braço em seu ombro e ele apoia o braço dele no meu. Andamos pelo corredor como dois irmãos, mais que amigos, os melhores. Depois que me aceitei como sou, e contei para os meus amigos, para o meu “bando”, os gêmeos começaram a rever seus conceitos e hoje tive a constatação, com essa conversa, que eles estão mudando assim como eu estou.
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Na entrada da boate não desço do meu carro até os caras chegarem. Marcamos de nós encontrar aqui. Sempre entramos juntos nesses shows e não é agora que será diferente. Observo os transeuntes, fim de semana e esse lado da cidade fica lotado por conta da diversidade de atrações. Boates, restaurantes com música ao vivo, barzinhos e muita gente andando de um lado para o outro a procura de um pouco de diversão.
Fecho os olhos por dez segundos e me assusto com as batidas no vidro do carro. Arregalo os olhos e vejo os gêmeos, estão com um sorriso de orelha a orelha. Hoje somos só nós. Nada de garotas durante o show, é a noite só dos caras. Abro a porta e salto do carro para cumprimenta-los. Ao longe, vejo que Joseph e Kauã se aproximam, eles andam de mãos dadas e não estão nem um pouco acanhados por expressarem o que sentem através desse pequeno gesto. Sinto um imenso orgulho deles. Quem diria que eu, um preconceituoso cheio de dúvidas e covarde, estaria orgulhoso por ver seus amigos sendo felizes como são.
— Boa noite, cambada! — diz Joseph abraçando cada um de nós.
— Cara, você tá cheirando bem! — diz Luís com gozação. — Isso deve ser obra do Kauã, não é irmãozinho? — Ele se vira e sorrindo, olha para Kauã.
— Seu panaca! Onde você já me viu fedorento? — diz Joseph batendo na cabeça do Luís.
— Eu nunca te cheirei¸ quer dizer... nunca cheirei seu cangote — diz com a mão direita no queixo.
— Já chega de dessa conversa de noiado — diz Kauã apoiando seu braço no meu ombro. — Vamos entrar, pois não quero perder nenhum minuto do show.
Puxando Joseph pela mão, Kauã segue em direção a entrada da boate onde será o show dos Despedaçados. O resto de nós segue logo atrás, cada um com seu ingresso para área vip. Entramos e seguimos para área vip. Subimos os degraus até as mesas reservadas, e antes de sentar sigo até o bar para pedir uma cerveja. Luís e Joseph também pedem seus drinks. Voltamos para a mesa com nossas bebidas. Música alta, dançante e todos na pista já se esquentam para o show.
Conheci a banda Despedaçados na adolescência. E só entendi o porquê desse nome: Despedaçados depois de ouvir a história contado por um dos fundadores, o Luv. Ele contou que, por conta de uma traição do seu pai o que acarretou o fim do casamento de um casamento perfeito, eles decidiram focar na música para ajudar o Luv a superar a separação dos pais, e deram esse nome a banda. Esquisito, mas eles tocam bem. Eles fazem cover de grandes cantores dos anos 90, com muito pop e rock. São excelentes e o vocalista, o Luv, é nosso amigo. Ele foi criado no mesmo bairro que o Kauã e acabou se tornando amigo de todos no bando. Além do som, que é um dos melhores, eles também tem músicas originais, mas os covers fazem a alegria da galera em shows como o de hoje.
A música eletrônica cessa, as luzes diminuem e antes que o show comece, Kauã nos avisa que depois da apresentação o Luv nos convidou para uma after party no apartamento dele. Quanto a ir para essa festinha... deixa o show terminar que eu resolvo.
Os holofotes se posicionam em direção ao palco e o Luv, o vocalista com seus cabelos longos estilo Axel Rose, aparece.
— Boa noite, seus pervos! — grita ao microfone. — Quem veio para esquecer do tempo e da vida levanta a mão!
Todos na boate levantam as mãos e gritam agitados, e prontos para o show. Luv solta o primeiro acorde de sua guitarra e todos sacodem as mãos no alto. Pronto, começou a festa, e chegou a hora de perder a noção de tempo.
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A última música que a banda toca, é Blaze of Glory do Jon Bon Jovi, e a boate vem a baixo, figurativamente. É ensurdecedor o barulho, e também muito contagiante, pois todos sem exceção, cantam essa música junto com a banda e assim o show é fechado com chave de ouro. E sinto que preciso de mais, sempre preciso de mais depois de um show assim, por isso decido ir até a festa particular no apartamento do Luv.
Saindo do palco, Luv se aproxima da nossa mesa, nos cumprimenta e depois anda até o bar para pegar uma cerveja. Os outros integrantes da banda se juntam a nós também. Jogamos conversa fora enquanto umas meninas se aproximam dos integrantes da banda. Luv volta se senta ao lado do Kauã.
— Estou feliz por vocês dois — diz apontando para Joseph. — O amor não tem gênero, nem cor, nem raça, nem forma é simplesmente amor. E um dia, quem sabe eu não encontre a minha metade — sorri. — Que não seja a metade podre, porque isso eu já sou.
Todos na mesa gargalham com o jeito que o Luv falar, ele é uma figura. Eu também desejo encontrar minha metade, para esquecer de vez a metade que nunca foi minha. Quem não teve um amor platônico na vida, que atire a primeira pedra. Acho que todos temos um em algum momento da vida. Eu tive o Alex, e só me dei mal.
A área vip está movimentada, muita gente vindo falar com o pessoal da banda, as garotas pousando no colo dos músicos para fotos, os gêmeos se aproveitando da movimentação e jogando conversa mole em cima da mulherada. E o Joseph e o Kauã ficam na maior pegação. Olho para os lados, e pela primeira vez estou incomodado com tanta gente se dando bem na noite e eu com cara de donzelo perdido. Levanto-me e ando até o bar para pegar mais uma cerveja e acabo ficando por lá. Não serei candelabro de ninguém, prefiro ficar só.
Quando o barman me serve, me viro para olhar a mesa e dou de cara com o Enrico. Ele veste uma camisa gola v branca, com mangas puxadas até o cotovelo. Usa um colar ripe com pequenas penas vermelha no pingente. Sorri. Ele só vive sorrindo, chega a dar agonia de como ele consegue viver com esse sorriso perfeito estampado na cara. Até parece que não tem problemas.
— Ora, ora! Se não é o almofadinha — bebo um pouco da minha cerveja.
Ele cruza os braços, e seu peitoral definido estufa. Lembro das fotos que vi na internet, e visualizo cada pedaço do corpo dele por baixo daquela roupa. Deve ser o efeito de todas as cervejas que tomei me fazendo ter visão de raio x.
— Não sabia que também gostava dessa banda — diz ficando ao meu lado. — Uau! Seus amigos estão aproveitando, hein?! — aponta para a mesa.
— Pois é — bebo mais outro gole da Corona.
Ficamos em silêncio por um tempo. Sem saber o que falar, Enrico, sem jeito se vira e pede uma cerveja ao barman. Percebo que ele também está só, assim como eu veio aproveitar o show. Ele entorna o líquido fermentado até a metade da garrafa. Parece até que quer criar coragem para fazer alguma coisa. Se bem, que do jeito que estou hoje, se ele quiser dar em cima de mim não vou me fazer de difícil, e nem recusar nada. Puta merda! Olha a que ponto eu cheguei!
— Conheço o trabalho da Despedaçados, desde muito tempo. Sei como foi o começo deles — digo quebrando o silêncio.
— Que legal!
Nossa troca de palavras é limitada. Não sei se por vergonha dele, ou minha. Começamos mal em vários momentos, e um deles foi na festa na casa dos gêmeos, onde esse cara estava no meio da orgia que o Joseph e o Kauã armaram. Deve ser por isso que ele está limitado a poucas palavras.
— Sobre aquele dia... na festa... eu, não queria ser o cara chato da turma...
— Tranquilo! — ele sorri, acanhado. — Eu que fui rápido demais me metendo na amizade de vocês. Foi mal aí, cara.
Esse deve ser o Enrico em “modo legal e simpático”.
— Sobre a amizade que temos — aponto par os caras na mesa. — Precisávamos por algumas cartas na mesa.
— Sobre sua sexualidade... — ele diz de uma vez, mas franze a sobrancelha e volta atrás tentando se desculpar. — Putz! Eu e minha boca grande.
Ele não tem uma boca grande? É até pequena comparada a minha. Tenho lábios grossos e o Enrico tem lábios mais finos, porém desejosos. Respiro fundo. Em outras épocas, daria um soco no meio do nariz dele só por ser tão intrometido como ele acabou de ser. E como ele sabe da minha...sexualidade?
— Sobre tudo, na verdade — bebo o último gole da minha Corona. — O que você sabe sobre minha vida?
— Seus amigos, Joseph e Kauã me disseram o que aconteceu no litoral... olha só, me desculpa — diz se afastando
Seguro seu braço e solto rapidamente.
— Estou me aceitando — digo com a cabeça baixa.
Ele respira fundo, voltando a ficar do meu lado e o silêncio paira por muitos minutos até ele voltar a falar.
— Quando eu me assumi, fui rejeitado pela minha família, se é que posso chamar aquilo de família. Fui jogado na rua como um trapo velho e só tinha dezesseis anos.
Lembro da parte da história dele que está mal contada na internet, deve ter alguma ligação.
— Seus pais te jogaram na rua? — franzo o cenho.
Ele respira fundo e continua.
— Minhas tias, morei com duas tias minhas, irmãs da minha mãe já falecida na época. Uma delas era casada e o marido me escorraçou de casa — ele olha para o gargalo da garrafa em suas mãos.
— E seu pai?
— Só o conheci há alguns anos atrás. Antes, eu vivi uma época sinistra. Mas, isso é para contar em outro momento — se vira e aperta meu ombro. — Quer sair um dia desses?
Para quem já foi insultado por mim, até que ele foi rápido em me convidar para sair. Sinto uma coisa batendo asas no meu estômago, e tenho certeza que não é a cerveja.
— Claro! É só marcar — sorrio de lado e estendo a mão.
Ainda sinto algo batendo asas no estômago.

Ele olha para minha mão, depois me fita com seus olhos azuis e sorri aceitando o cumprimento. E tudo começa com um toque, um toque diferente. Ele me chamou para sair e eu aceitei. Fico meio tremulo, sinto um frio na espinha, nunca fui convidado para sair por outro cara... nem sei como se faz isso, nem sei porque aceitei. Enrico German se despede e diz que vai dar uma volta pela boate antes de ir embora. Ele comenta que precisa acordar cedo para resolver um assunto importante. Ele anda até a mesa, se despede dos caras e antes de descer as escadas da área vip, ele olha para mim e sorri de lado. Eu dou um tchauzinho, meio desengonçado, estranho. E marcar de sair com o almofadinha, foi ainda mais estranho.